A gamificação e suas contribuições no processo de aprendizagem – Colégio Stocco

A gamificação e suas contribuições no processo de aprendizagem

28/mar/2024

O termo gamificação, ou gamification em inglês, é um neologismo da palavra game que em português significa jogo. Porém, gamificação não é simplesmente jogar ou usar jogos. Na verdade, trata-se de uma estratégia que utiliza a lógica, mecânica e design de jogos em dinâmicas coletivas, com o objetivo de modificar o comportamento e despertar interesse nas atividades que se propõem a usar a gamificação. Seria usar aspectos de um jogo em um ambiente de “não jogo”. Karl Kapp (2012) define como sendo: “o uso das mecânicas baseadas em jogos, da sua estética e lógica para engajar pessoas, motivar ações, promover aprendizagem e resolver problemas em contextos de não jogos”.

Aula de geopolítica com o tabuleiro do jogo War, na disciplina de geografia.

Essa estratégia já é amplamente utilizada no mundo corporativo em treinamentos e reuniões para gerar motivação. Além disso, está presente em diversos aspectos do nosso cotidiano, como nas redes sociais mais utilizadas, nas milhas acumuladas no cartão de crédito, nos cartões de fidelidade utilizados por pequenos comerciantes, nos recordes pessoais computados pela academia num treino, sorteios, rifas, esportes, cartas, tabuleiros, entre outros.

Entre tantos ambientes e instituições  que se apropriam dessa lógica, temos as escolas, que em sua maioria ainda possuem uma arquitetura e organização herdadas da revolução industrial, mas estão repletas de jovens que consomem mídias digitais, entretenimento e cultura pop. O ambiente escolar acaba tendo um grande potencial para adoção de abordagens gamificadas, afinal, a própria estrutura de avaliação de aprendizagem por notas, preparação para vestibulares, favorecem a implementação da metodologia. O currículo para o desenvolvimento de habilidades e competências já propicia um alicerce para elaborar elementos lúdicos em uma narrativa gamificada como estratégia de aprimoramento do processo ensino-aprendizagem. O que falta na verdade é somente uma aproximação maior com a linguagem dos jogos. Quando criamos uma avaliação, precisamos atribuir regras a ela, como pontuação, conteúdo, formato e habilidades a serem avaliadas. Esses elementos por si só formam uma base para a gamificação com sistemas de pontos, insígnias, conquistas, desenho de nível, fases e classificação dos jogadores (estudantes). Porém, é importante ressaltar que gamificar não se restringe a aplicar elementos dos jogos, mas sim desenvolver uma narrativa com elementos de contextualização, atribuição de objetivos e propósitos. A narrativa é o que há de mais importante na gamificação, é o elemento que traz densidade para a abordagem e desperta o maior potencial de engajamento em um grupo.

Apresentação do Projeto do Ensino Médio na FECSTOCCO 2023 com o tema gamificação – Gabriel Albuquerque e Rafael Meira

Infelizmente, ainda há muita confusão na aplicação dessa estratégia. Thiago Eugênio (2020) chama de “neuromitos” as distorções geradas ao executar essas estratégias, seja por falta de conhecimento profundo ou por interpretações equivocadas. O que acaba acontecendo é uma espécie de negacionismo das contribuições que a neurociência já comprovou sobre a efetividade dessa estratégia aplicada à educação. Trata-se de afirmações como “Gamificação só serve para divertimento” ou mesmo acreditar que aplicar um jogo em uma sequência didática se trata de gamificação. Há muitas camadas dentro do uso da gamificação que combinam diversas abordagens e públicos, alguns exemplos: simuladores, apresentação interativa com design inspirado em games e jogos sérios aplicados para formações profissionais, como habilitação aérea e cirurgias.

Importante notar que há ainda uma abordagem que é confundida com a gamificação: a aprendizagem baseada em jogos. Esta é uma tendência que vem sendo cada vez mais incorporada à educação e que consiste no desenvolvimento de jogos educacionais para abordar temas de interesse de um professor. No entanto, é possível gamificar aulas sem aplicar um jogo sequer! Melhor ainda, ao estabelecer a narrativa de gamificação com uma turma, é possível revalorizar elementos simples da educação analógica, como produzir um texto, uma mapa mental, desafiar o aluno a resolver um exercício na lousa e até instigar os alunos a reflexão durante situações de mediação de conflitos. Por exemplo, uma atividade de seminário, pode se tornar uma simulação de um congresso científico internacional, tendo ainda uma banca avaliadora que atribui alguma pontuação mediante o nível de argumentação apresentada. A produção de um mapa mental pode emular um fórum ambiental da Organização das Nações Unidas submetido à votação pública na escola em uma sequência didática de aprendizagem baseada em problemas. A narrativa inclusive pode se basear em personagens da literatura que exigem papéis de atuação com elementos alegóricos que estimulem a reflexão coletiva em uma aula inesquecível.

Jogos medievais: adaptação de jogos de tabuleiro para aula de história no 7° ano.

Algumas críticas e questionamentos comuns à metodologia são de que se trata de “dourar a pílula”, ou como se alguém quisesse adicionar chocolate em todas as refeições, uma “chocolatificação” do ensino que pode até exaurir professores e alunos. O que posso afirmar a partir desses 7 anos de experiência com estratégia de gamificação no Colégio Stocco, inclusive no contexto da pandemia, é que esta prática promove engajamento e mudança coletiva de comportamento dos estudantes frente às obrigações da rotina escolar. A aula gamificada cria mais identidade do estudante com o conteúdo, pela possibilidade de personalização dos papéis na narrativa e, o mais valioso pedagogicamente, promove uma aprendizagem significativa porque incentiva e envolve o estudante genuinamente.

Compartilhando ideias: projetos, dinâmicas e sequências didáticas com uso de gamificação no Colégio Stocco.

Jogo “Cara a Cara” adaptado para os jogos medievais da disciplina de história do 7° ano

A gamificação é um campo aberto para novas expedições pedagógicas tendo em vista o contexto da nova Base Nacional Comum Curricular. A partir do 8º ano, por exemplo, na disciplina de Geografia passam a ser trabalhadas habilidades como “Analisar os impactos geoeconômicos, geoestratégicos e geopolíticos da ascensão dos Estados Unidos da América no cenário internacional em sua posição de liderança global e na relação com a China e o Brasil” (BRASIL, 2019). Para essa categoria de habilidade, desenvolvemos um trabalho com a gamificação estruturada, que se trata de um sistema de pontuação anual organizado em um aplicativo autoral, programado em uma planilha eletrônica. O desenvolvimento da narrativa compõe em si uma um processo de aprendizado, já que o enredo pode se tratar de conteúdos curriculares, portante agregar habilidades e competências previstas na aprendizagem da disciplina. Por exemplo, na narrativa do 8º ano estudantes formam grupos que representam países que precisam se estruturar e se desenvolver na divisão internacional do trabalho (DIT), um conteúdo curricular da disciplina de Geografia. Estudantes também constroem todo perfil socioeconômico, sociológico e ideológico do país, ou seja, experimentam o currículo em uma prática gamificada.

Outro exemplo, é da narrativa de 9º ano: dinâmica individual, na qual cada estudante representa um parlamentar de um partido. Eles também criam todo o aspecto ideológico das pautas que eles irão defender.Cada bimestre representou um episódio composto de desafios que contemplam todos os objetivos de analisar, compreender, relacionar e distinguir elementos cartográficos, geopolíticos e socioespaciais. 

Elaboração de mapa mental na aula de matemática.

Por se tratar de gamificação estruturada, essa proposta foi de longo prazo e exigiu um planejamento anual, pensado por fases e etapas, pressupondo a heterogeneidade de abordagens entre as turmas e conteúdos. No entanto, também aplicamos a estratégia em contextos mais situacionais, em atividades mais curtas e sequências didáticas fechadas. Denominamos de gamificação de conteúdo quando a proposta se limita a um momento mais delimitado. Um exemplo que aplicamos foi o Geoanalogias – Atividade em que assistimos trechos de filmes, desenhos ou séries e solicitamos aos estudantes que os relacionem a um conteúdo trabalhado em diferentes momentos ao longo do ano letivo. Essa proposta teve o objetivo de exercitar a interpretação consumindo cultura pop. As análises valeram pontuação e foram debatidas em rodas de conversa. Nessa prática, os estudantes acabavam sendo estimulados a visualizar conteúdos curriculares no entretenimento que eles consomem, como Ecologia e ambientalismo no enredo de  Pokémon, ou as práticas da ONU que se assemelham ao grupo de heróis organizados na Liga da justiça. 

A gamificação pode dar errado se não tiver planejamento ou se faltar diversificação na abordagem. Cabe ao professor mediar e dosar competição, cooperação, desafio, recompensa, feedback, enfim, mecânicas diversas. Com prática e reflexão sobre a prática (FREIRE, 1987, p. 121), a gamificação se torna um meio da educação se aproximar da cultura popular e empoderar professores e estudantes no processo de ensino-aprendizagem.

Referências:

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular – Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.pdf>.

EUGENIO, Tiago. Aula em jogo: descomplicando a gamificação para educadores – São Paulo, SP: Évora. 2020. 280p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

KAPP, Karl. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. Pfeiffer, 2012

TOLOMEI, B. V. (2017). A Gamificação como Estratégia de Engajamento e Motivação na Educação. EaD Em Foco, 7(2). https://doi.org/10.18264/eadf.v7i2.440

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